O ecologista José Lutzenberger era um defensor ferrenho da natureza. Era apaixonado por plantas e também por animais. Por isto, continuo minha homenagem a ele com o Capítulo 3 dos posts pela Semana do Meio Ambiente. Na entrevista com Lilly Lutzenberger, filha dele, tive que dedicar um capítulo aos animais. Quando perguntei se o Lutz tinha animais de estimação, descobri que ele adotou gatos, o cachorro Lux, seu companheiro de aventuras, além de animais bastante diferentes como caranguejeiras, sapos albinos, jabutis*, abelhas-nativas e graxaim.
Veja quem foi o ecologista José Lutzenberger
Conheça o jardim da casa do ambientalista Lutz
Acompanhem o relato da Lilly Lutzenberger:
“Desde o começo, sempre houve muitos bichos adotados no jardim, para desespero, primeiro de minha avó, depois de minha mãe, que acabavam tendo que cozinhar e cuidar de todos eles. Até pouco tempo atrás, ainda não existia tanta ração, nem produtos para animais de estimação e a comida para eles precisava ser preparada em casa. Além de uma infinidade de cães e gatos, bichos mais exóticos também povoaram o jardim, todos adotados. No começo da década de 70, meu pai ia seguido ao Zoológico de Sapucaia e de lá às vezes voltava com um filhote de graxaim embaixo do braço. Caçadores matavam a mãe, depois largavam as crias no Zoológico que não sabia o que fazer com tantos filhotes de graxaim… Tudo corria relativamente bem enquanto o bichinho ainda era pequeno, mas, depois que crescia e os instintos selvagens surgiam, começavam os problemas.
“Tivemos a Lolita, uma femeazinha traumatizada e arisca, que vivia escondida nos arbustos e dois machinhos doidos, sendo que o segundo, ao crescer, se tornou impossível. Um dia, escavou e conseguiu passar por baixo da cerca que separava nosso jardim do terreno de trás e, em tempo recorde, dizimou o galinheiro do vizinho. Era galinha e galo morto por tudo, o vizinho ficou danado e meu pai teve de repor todo o plantel e reforçar a cerca. O endiabrado do graxaim era rápido como um raio e atacava a tudo e a todos. Mordeu feio minha irmã, que naquela época ainda era muito pequena, depois nossa empregada e também uma tia. Depois do terceiro incidente, ninguém além de meu pai se atrevia mais a pisar no jardim. Mas ele defendia seu mascote, alegando que o problema não era dele, mas das mulheres da casa que não o entendiam, nem sabiam como tratá-lo… Até o dia em que, do nada, o graxaim avançou nele e lhe rasgou a mão com os dentes. Em seguida, o graxaim voltou para o zoológico…”
“Mais ou menos na mesma época, meu pai também criava uma enorme aranha caranguejeira numa gaiola de pássaros. Felizmente, a aranha era tão grande e gorda que não conseguia passar por entre os barrotes da gaiola. Mas, todos os dias, meu pai a tirava de dentro de seus aposentos e a deixava passear ao longo de seu braço, da mão até o ombro e vice-versa. Hipnotizada, eu assistia ao número enquanto ele tentava me convencer a fazer o mesmo, garantindo que não havia perigo nenhum. Mas eu preferia só olhar. A aranha comia bolinhas de guisado fresco que meu pai amorosamente lhe preparava todos os dias. A gaiola ficava na nossa lavanderia, no andar térreo, e um dia a encontrei devorando um pequeno camundongo. Fiquei impressionada, pensando que meu pai havia aprendido a capturar camundongos vivos para sua protegida. Mas não, o que tinha acontecido é que o imprudente roedorzinho havia entrado na gaiola durante a noite para roubar os restos do jantar da aranha e acabou se transformando no seu café da manhã.Tivemos uma caturrita chamada Zé Carioca que viveu conosco por um bom tempo. Quando chegou, tinha uma asa machucada, não conseguia mais voar, mas aprendeu a abrir e fechar sozinha a portinhola de sua gaiola e, todos os dias, fazia passeios pelo jardim. Até que terminou dentro da barriga de um de nossos gatos.”
“Nos anos 80, um dia meu pai voltou de uma viagem ao norte do Brasil com uma grande caixa de papelão. Dentro havia duas dezenas de pequenos jabutis de diferentes espécies. Ele nos explicou que os havia confiscado de alguém que pretendia transformá-los em sopa. Confiscou-os, trouxe para Porto Alegre (de avião!) e largou no jardim. Com o passar dos anos, quase todos morreram por não suportarem o frio de nossos invernos. Mas 3 se adaptaram, cresceram e ficaram enormes, pareciam melancias com patas. Viveram no nosso jardim até poucos anos atrás, quando foram transferidos para o Rincão Gaia, em função das obras de reforma da Casa Lutzenberger.”
“Pouco tempo antes de morrer, ele ainda arrumou um par de sapos aquáticos albinos (Xenopus) e colocou-os dentro de um dos aquários do jardim. Eram brancos e cegos, pareciam fantasminhas vagando pela água. Mas ele os achava maravilhosos e, como não enxergavam, lhes dava comida na boca com uma pinça bem comprida. Meu pai tinha também o hábito de juntar e guardar restos de nossos animais de estimação quando morriam, de bichos mortos e plantas que ele encontrava na natureza. Ossos, cascos de tartaruga, ninhos abandonados, ovos, plumas, peles de cobras e lagartos, sapos secos, cascudos gigantes, asas de borboletas coloridas, conchas, estrelas do mar e restos de corais decoravam seu escritório e o resto casa. Sementes de todo tipo e pedras bonitas também.”
“E havia uma linda composteira no fundo do jardim, alimentada com os restos orgânicos da cozinha e repleta de insetos, tatuzinhos, gordas minhocas e uma infinidade de micro-organismos interessantes que fabricavam um adubo maravilhoso para suas floreiras.”
“Na fachada da casa, numa fenda localizada no canto esquerdo inferior da porta de entrada, se abria, desde sempre, um ninho de abelhinhas do bosque. Ninguém sabe como, nem porque escolheram aquele lugar inóspito para se instalar. Meu pai procurava protegê-las dos constantes ataques e danos que sofriam pela mão das domésticas que as varriam dali sem nem vê-las ou de algum dos tantos mendigos que costumavam pernoitar no vão da porta e as aplastavam sempre de novo. Mas as valentes abelhinhas silvestres, por alguma razão, nunca desistiram daquele lugar. Durante décadas incansavelmente reconstruíram seu ninho devastado, sobreviveram a quase dois anos de pesadas obras de revitalização da Casa Lutzenberger e continuam ali até hoje, diminutas e lindas, demonstrando a nós arrogantes humanos que, apesar das aparências, a força bruta não é o que move o mundo, mas a beleza e a delicadeza.”
* Corrigido em 4/6/2016 às 0:56 hr
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