Acho incrível em pleno bairro Bomfim existir um jardim selvagem e cheio de árvores. Perto do Parque da Redenção, raros prédios tem mais do que 1 ou 2 árvores, quando tem! Uma área verde assim só poderia ser o jardim da casa do agronomo ecologista José Lutzenberger. Conversei com a filha dele, Lilly para saber como foi a evolução desta área verde ao longo dos anos. Esta semana, em homenagem a Semana do Meio Ambiente, farei 3 posts sobre o ambientalista José Lutzenberger: sobre o jardim da casa dele, sobre a infância dele retratada em ilustrações pelo seu pai e sobre os animais de estimação que o Lutz criava. Me acompanhe!
Saiba Quem foi o ambientalista José Lutzenberger
A casa foi projetada em 1931 pelo pai de José Lutzenberger, o engenheiro-arquiteto e aquarelista Joseph Lutzenberger. Ficou pronta em 1932 e Lutzenberger filho e a família se mudaram para lá, quando ele tinha 6 anos de idade. A casa cumpria as funções de residência e escritório do Joseph Lutzenberger. O escritório ficava no térreo e a família ocupava o primeiro e segundo andares. Na época, o terreno era dividido em duas partes: metade casa e jardim e metade depósito de materiais de construção do Joseph.
Lilly: – “Tanto a Família Lutzenberger (do pai de meu pai – oriundo de Altötting, na Baviera) quanto a Flia. Kroeff (da mãe de meu pai, imigrantes alemães que se estabeleceram em Novo Hamburgo no final de 1854) eram grandes amantes das plantas e da jardinagem. Meu bisavô Joseph Lutzenberger vivia num casarão na praça central de Altötting e tinha um imenso jardim a poucas quadras do centro, onde cultivava suas rosas, pomar, etc. Meu bisavô Jakob Kroeff morava com a familia em Novo Hamburgo numa casa rodeada por um grande e lindo jardim. Por isso, o jardim da Casa Lutzenberger em Porto Alegre foi sempre muito movimentado, pois minha avó e os 3 filhos o utilizavam para jardinar e brincar.”
Veja post sobre as ilustrações de Lutzenberger que retratam a infância do ambientalista
Como era o jardim no início? Como e quando foram plantadas as árvores?
Lilly: – “Da vegetação original do jardim praticamente não resta nada. Era um jardim típico da época, com traçado geométrico”.
Lilly: – “Havia duas longas pergolas que percorriam as laterais do jardim. Hoje, resta apenas a da lateral esquerda, a outra desabou nos anos 80. O resto do jardim tinha canteiros retangulares, uma linha de palmeiras ornamentais entre as pérgolas, uma grande floreira circular de três andares que parecia um bolo de noiva ao centro e, nos fundos, árvores frutíferas e um galinheiro. Lembro que, quando meu pai decidiu voltar ao Brasil, em1971, depois de 13 anos trabalhando no exterior, ainda existiam uma goiabeira, um caqui, uma pereira e uma parreira que cobria a pérgola que ruiu nos anos 80. Todas elas morreram ainda nos anos 70 e 80, de velhas e também por falta de luz, uma vez que casa e jardim, com o passar dos anos, foram ficando na sombra por causa dos prédios altos que cresceram ao seu redor. Uma pena. As palmeiras estão lá até hoje, velhinhas e um pouco tristes pela pouca luz. E algumas árvores, hoje imensas, provavelmente plantadas pelo meu pai.”
Lilly: -“No depósito de materiais de construção ao lado, meu pai havia plantado também um abacateiro, o qual sobreviveu em muitos anos às outras frutíferas. Lembro que, até o fim, meu pai cuidou e tratou desta árvore com carinho. Depois de seu falecimento, ela ainda durou alguns anos e morreu também. Apesar de seu grande amor pela botânica e paisagismo, ele pouco cuidou do resto do jardim depois de nosso retorno ao Brasil, por absoluta falta de oportunidade, pois as causas ambientais terminaram por absorvê-lo de forma tal que não lhe sobrava tempo para mais nada.”
Ele criava algum tipo de planta em especial?
Lilly: – “Durante seus anos no exterior, ele ainda conseguia dedicar-se à botânica. Ao longo de suas numerosas viagens a trabalho, aproveitava para se embrenhar na paisagem e conhecer de perto a vegetação nativa. Ao mesmo tempo em que ficava maravilhado com a beleza e diversidade dos biomas que encontrava, entristecia-o a velocidade vertiginosa com que tudo ia sendo destruído pelo homem. Pesquisava, fotografava e recolhia sementes e mudas por onde passava, as quais depois cultivava em casa, na sacada quando morávamos em apartamento e no jardim quando em casa.”
Lilly: – “Ele também se correspondia e trocava idéias, teorias, sementes e mudas com botânicos e colecionadores do mundo inteiro. Inclusive, existe uma euforbiácea venezuelana que leva seu nome – Euphorbia lutzenbergeriana Croizat. Sua paixão eram as plantas de climas e regiões áridas (cactáceas e suculentas em geral), as plantas aquáticas e as carnívoras. Ele sempre tinha vasos com cactus, suculentas e carnívoras nos lugares mais bem iluminados da casa e do jardim e um que outro aquário. Aqui em Porto Alegre, chegou a ter dois grandes no jardim, cheios de plantas aquáticas.”
“Infelizmente, no Brasil, sua vida foi ficando cada vez mais agitada e estressante e seu tempo cada vez mais escasso, obrigando-o a desatender seu jardim. Mas ele acreditava que um dia voltaria a ter tempo suficiente de retomá-lo. E queria fazer isso sozinho, com suas próprias mãos. Temia delegar essa tarefa aos jardineiros locais que, segundo ele, além de não entenderem nada do assunto, careciam de sensibilidade. Ele os chamava de “demolidores de plantas”, principalmente aqueles terríveis encarregados da poda e manutenção de nossas árvores urbanas. Por isso, por mais que seu jardim estivesse em estado calamitoso, ele não permitia que ninguém tocasse em uma única folha sequer sem seu acompanhamento pessoal. Infelizmente, os anos foram passando e o jardim se deteriorando sem que pudesse voltar a dar-lhe a devida atenção. Assim, ao longo de 3 décadas de quase total abandono, o mesmo transformou-se numa pequena selva virgem.”
Tu participavas?
Lilly: -“Pouco também, mas brinquei muito naquele jardim. Mais tarde, já grande, muitas vezes ficava encarregada de cuidar das plantas de estimação que ele mantinha na sacada do dormitório e na janela de nossa sala de estar.”
Que transformações este jardim já passou? Para que é usado hoje?
O jardim foi muito usado e cuidado desde sua criação até o final dos anos 60, depois foi se assilvestrando até poucos anos atrás. Entre 2010 e 2012, a casa passou por obras de restauro e ampliação para sediar o atual escritório da Empresa Vida e o jardim foi revitalizado pelo paisagista Adolfo Müller. Em agosto de 2012 se transformou no escritório da empresa Vida.
Foi feita uma reciclagem?
Sim, mas, como não existem quase registros, sobretudo fotográficos, de como era o jardim original nos anos 30, nem se sabe que aspecto o mesmo teria adquirido caso meu pai tivesse tido a oportunidade de recuperá-lo, optou-se por preservar a maior parte da vegetação já existente por ocasião de sua morte e integrá-la com formas e espécies vegetais que correspondessem o mais fielmente possível aos conceitos de paisagismo e jardinagem que ele defendia.
É tombado?
A pedido de suas proprietárias, a Casa Lutzenberger foi tombada em 2012.
O jardim também?
Creio que não, não tenho certeza, mas as árvores grandes que nele se encontram estão protegidas, não podem ser cortadas.
Dá muito trabalho cuidar do jardim?
Como o jardim foi remodelado de modo a preservar ao máximo a configuração que foi deixada pelo meu pai – assilvestrado por força das circunstâncias – ele não dá muito trabalho, pois tem muitas árvores, muita sombra e pouca grama.
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